No Descanso na Fuga para o Egito de Caravaggio, enquanto Maria adormece com o infante diante da paisagem que se abre e se estende, São José segura um livro de partituras para um anjo músico que, à sua frente, toca violino. Muito já se comentou da beleza particular desse anjo de perfil suave, assim como da singularidade dessa versão de um episódio tão frequentemente representado, porém me admira que não tenhamos notado mais profundamente essa outra beleza e outra ternura que se revelam no quadro entre o rosto do velho santo e o do anjo: refiro-me àquele asno que, disposto no fundo superior da cena, aparenta estar num sub-bosque, e do qual Caravaggio escolheu mostrar apenas a cabeça ou, mais precisamente, o olho. É esse olho que perfura o quadro, a apenas um olhar acima do arco que o anjo toca, olho imenso e negro onde pulsa um leve reflexo branco. E o que importa não é tanto que esse olho seja de um contorno extraordinário como são os olhos dos asnos, que parecem de fato sublinhados por um espesso delineador, e que Caravaggio tenha dado então ao animal, nesse quadro juvenil, um poderoso efeito de realidade; o crucial é que ele verdadeiramente quis que o olhar do asno fosse visível e que, entre a cabeça grisalha do santo e os cachos dourados do anjo absorto em sua partitura, alguém nos contemplasse. Em relação ao sono da Virgem, esse olhar age como uma sentinela; em relação ao diálogo musical, age como um silêncio—um silêncio instalado no qual se inscreve toda a cena, retendo sua estranheza onírica e efusão melancólica.
Nunca é muito bom atribuir aos pintores intenções que eles não tiveram, e pode ser também que Caravaggio tenha simplesmente se deixado levar por uma ideia virtuosa (da qual outros sinais estão presentes no quadro). Porém, o fato é que permanece esse olhar e seu apoio retrátil, sua insistência, e a dimensão aberta por ele na cena; dimensão que, independentemente do que se possa dizer, é a da pura pensatividade, a de um puro movimento incógnito na úmida abertura do olho que vê, que vê o que não pode apreender e que, apreendendo que não apreende, olha, olha sem fim.
(Jean-Christophe Bailly em Le Versant Animal de 2007, págs. 67-69)